"Se é verdade que, no imediato, o evitamento suprime as sensações desprazerosas, também é verdade que nos impede de acedermos à parte boa que estes sentimentos podem ter." - Miguel Formiga
Sentir a dor... pode ser libertador?
Na prática clínica vou-me deparando com diferentes formas de viver, pensar e sentir. No entanto, independentemente das diferenças de cada um, é natural que exista, inevitavelmente, o contacto com vivências que representam dor. Se isto é verdade, o que fazemos nós com essa dor? E para que é que ela serve, afinal?
Se o sofrimento emocional traz desprazer e desconforto, pode pensar-se que o que trará alívio será evitar os sentimentos mais difíceis quando eles surgem, ou focar apenas nos afetos bons e prazerosos, ignorando os que sejam considerados "maus" ou indesejados. Se é verdade que, no imediato, o evitamento suprime as sensações desprazerosas, também é verdade que nos impede de acedermos à parte boa que estes sentimentos podem ter. Mas... se os sentimentos são maus, como podem eles ter uma parte boa?
No fundo, tal como os sentimentos prazerosos nos dão informações sobre nós próprios, também os aspetos mais difíceis e dolorosos espelham quem somos, o que precisamos, o que gostamos, e o que não gostamos. Se assim é, ignorarmos o que em nós há de desprazeroso representa silenciar partes de nós que, quando atendidas e consideradas, podem trazer, com essa informação, a possibilidade de cada um poder ir cada vez mais ao encontro de si próprio, do que lhe faça sentido.
Para se ser mais feliz e mais saudável é preciso poder ser infeliz e poder estar em dor, quando é caso disso, e desenvolver as ferramentas que permitam construir novos caminhos, rumo a um Eu cada vez mais desenvolvido e consolidado - um Eu que possa juntar todas as partes, as boas e as menos boas. Para amar, é preciso ter permissão para odiar; para sentir alegria, é preciso permissão para sentir tristeza; para se ser livre, é preciso permissão para poder enfrentar o que causa medo.
Fica um convite: O que é permitido para si pensar e sentir? E que coisas possa haver onde gostaria de se poder permitir a pensar e sentir de outra forma?
Miguel Formiga
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta de Apoio
Texto integrado no projecto:
“A escrita como ferramenta de expressão, partilha e aprendizagem” – Dialógicos