"Declarámos guerra ao aborrecimento, mas infelizmente não nos preocupámos com os danos colaterais." - Gerónimo Rodrigues
Guerra ao aborrecimento...
Desde a Revolução Industrial, temos visto uma aceleração em todos os aspetos da vida do ser humano. Avanços nas tecnologias permitiram que o trabalho, a comunicação e o transporte se tornassem mais rápidos e convenientes e, atualmente, o rápido é lento demais, queremos o instantâneo. As nossas criações refletem esta mudança no pensamento: a música mais popular tem ritmos mais acelerados e duração mais curta, filmes atuais têm os cortes mais rápidos e frequentes do que alguma vez antes e os produtos mais comprados são os feitos para serem fáceis e intuitivos de usar, para não se perder tempo a ler o manual.
A nossa maneira de pensar o tempo também mudou. Filas são sentidas como um horror, independentemente do tempo de espera, momentos “parados” são, sempre que possível, preenchidos com um podcast, um audiobook (ler demora tempo demais), ou mais um scroll por uma das redes sociais.
Declarámos guerra ao aborrecimento, mas infelizmente não nos preocupámos com os danos colaterais. Por muito entediantes que sejam estes momentos de pausa, é a ausência de estimulação externa que dá um momento à nossa mente para se virar para si. Servem como momentos de descanso, em que o cérebro “recupera o fôlego” e integra as novas experiências com as restantes já vividas. Para além disso, são uma oportunidade em que conseguimos repensar o passado, refletir sobre como este nos fez e faz sentir e que significado pode ter para a nossa vida. Ainda mais, permite-nos sonhar sobre o nosso futuro, como poderá ser, como gostávamos que fosse e o que precisamos de fazer para lá chegar.
Ao decidirmos dar a prioridade máxima ao presente, a fazer aqui e agora, começámos a desprezar a espera pelo futuro e o revisitar o passado.
Para um adulto, isto leva a um sentimento de cansaço, de que parece não haver um momento de pausa. Para uma criança ou um adolescente, no entanto, isto poderá ter efeitos mais nocivos, uma vez que as tarefas de reflexão e imaginação são importantes para a aprendizagem e para a formação da personalidade e da identidade, processos especialmente importantes durante estas idades.
Assim, é necessário reaprendermos a aproveitar estes momentos, sem os preencher sempre com estimulação. Isto significa tentarmos resistir à ideia de ser sempre produtivos e refletirmos sobre a real importância que estas distrações e passatempos têm (ou não) na nossa vida.
Gerónimo Rodrigues
Psicólogo Júnior
(Estágio da Ordem Psicólogos Portugueses)
Texto integrado no projecto:
“A escrita como ferramenta de expressão, partilha e aprendizagem” – Dialógicos