Pode alguém ser quem não é?
(...) Neste caminho de contacto e diálogo interno encontra-se a possibilidade de aprender com a sua própria história..." - Raquel Costa
Pode alguém ser o que não é?
Quantas vezes olhando para trás, pessoas reconhecem percursos de vida aos quais se ajustaram. Em determinados momentos o ajuste a uma relação, pessoal ou profissional, que não parecendo o que era certo, também não parecia necessariamente errado. Como um percurso de vida morno, em que se vai andando, como tantas vezes ouvimos repetido quotidianamente, que não é sintónico com o que se sente. A entrega a este percurso, desprovido de sintonia interna, mas provido de uma espontaneidade desgastada ou inexistente que coloca em causa o reconhecimento das necessidades das mais profundas às mais básicas, deixa na verdade pouco espaço para a existência genuína.
O desencontro entre o que se deseja e o que se encontra na realidade oferecida pelo outro, parecendo ser o possível, abre um espaço dilacerante para a colonização interna com pareceres, pensamentos, princípios, formas de estar e de sentir tantas vezes tão distantes do que possa ser verdadeiramente desejado, mas ao mesmo tempo tão securizante porque previsível e “normal”. Sem se querer, se encontra um equilíbrio tão desigual que o desgaste e a vida do dia a dia acaba por se encaixar.
Quando esta normalização se torna sufocante, a questão levanta-se: “Pode alguém ser quem não é?”. E assim, o encontro consigo próprio torna-se uma libertação.
Neste caminho de contacto e diálogo interno encontra-se a possibilidade de aprender com a sua própria história, sempre que a pessoa se permite a parar e conseguir olhar para dentro de si com “aquele brilhozinho nos olhos” que nos diz que é tão bom podermos ter orgulho de nós. A reformulação interna não implica a exclusão ou a rutura com o externo, mas sim o trilhar de um percurso e a construção de uma estória na qual o personagem principal se reconhece, se completa e se encontra. O processo psicoterapêutico permite, fomenta e impulsiona este processo que traz consigo a leveza sustentável de ser e também por isso, em sessão, tantas vezes se ouve: “Porque é que eu não fiz isto antes?”.
Raquel Costa
Licenciada em Psicopedagogia e em Psicologia
Texto integrado no projecto:
“A escrita como ferramenta de expressão, partilha e aprendizagem” – Dialógicos