Conhecermo-nos na totalidade do nosso Ser é um dos grandes desafios com que nos deparamos na vida.
Ao nascermos, são os nossos pais e restantes figuras cuidadoras (ou apenas estas, na ausência dos primeiros) que, através do seu olhar, nos dão a sensação de que somos, existimos, e mesmo de quem somos.
Espera-se que, ao longo do nosso desenvolvimento, nos possamos construir como seres individuais (diferente de individualista, porque em relação), com capacidade de integrar o indivíduo que somos, nas nossas diversas dimensões, e em conjugação harmoniosa entre prazer, realidade e dever.
Apesar do rumo esperado, sabemos que comumente nos desenvolvemos num trilho diferente...
Quando, no período de maior influência das relações primárias (cuidadores), o outro não nos reconhece como alguém diferenciado, é natural que nos vamos desenvolvendo a par de uma sensação inconsciente de "existo?" ou "quem sou eu?". Por vezes, dada a dificuldade de diferenciação entre aquilo que sejam as nossas ideias e as ideias de outros, o comportamento traduz-se num agir automático em função de ideais de outros, ocorrendo a par de sensações de uma "névoa mental" e/ou de caos interno (diferente de comportamentos impulsivos, na "escolha" de não pensar). Nestes casos, o desafio passa pelo desenvolvimento da noção de que se existe; de que cada um, na sua individualidade, tem a sua forma de pensar/agir; da capacidade de pensar o próprio, os outros e a realidade.
Outras circunstâncias há em que, no nosso desenvolvimento, o outro nos reconhece como seres individualizados. Mas, mesmo que inconscientemente, apenas aceita em nós aquilo que considera "bom", "socialmente aceite", ou com o que consegue lidar. Desse modo, desenvolvemo-nos na ideia de que há uma parte de nós que é inaceitável, pelo que "terá" de ser escondida, negada. E seguimos uma vida em que nos vamos afastando da noção de quem verdadeiramente somos (com tudo o que nos caracteriza), rumo à busca de um ideal a partir do qual seremos aceites e amados. No entanto, sermos amados nesse ideal (que na realidade não somos nós) não colmata a necessidade de sermos amados, de nos sentirmos pertencentes ao grupo/mundo, pois não toca no que verdadeiramente somos. Entramos, então, numa espécie de ciclo vicioso, o da busca incessante de amor e da atenção do outro.
Quer numa linha de desenvolvimento quer na outra, chamemos-lhe assim, a necessidade do conhecimento de um Verdadeiro Eu, impera:
- quem sou eu, para além do que veem em mim?
- quem sou eu, para além do que tento agradar ao outro?
Quando nos conhecemos no nosso Verdadeiro Eu, assim como nos comportamentos que usamos defensivamente, mesmo que inconscientemente, encontramos uma coesão maior; o que pensamos, dizemos, fazemos ou vivemos, traduz uma linha de maior coerência; aceitamo-nos como somos; aceitamos o outro como ele é, no caminho que ele próprio estará a fazer nesse conhecimento de si.
Não podemos fazer mudanças no nosso passado, nas nossas famílias, nas pessoas que nos acompanharam até ao presente. Mas podemos fazer escolhas diferentes nesse mesmo presente e no futuro. Nessa medida, o desafio rumo a um maior amadurecimento, enquanto seres humanos, passa por irmos mergulhando em nós, de modo a nos conhecermos cada vez melhor e mais realisticamente. Esse é um processo gradual, motivado pela pessoa com que nos cruzamos na rua, pelo livro que lemos, pela formação em que participamos, pelo vídeo que outro alguém nos mostrou, pela procura de um processo psicoterapêutico....
É um caminho com "tormentas", as quais são superadas nessa aproximação com quem Verdadeiramente somos. É um caminho rico e inacabável, pois novas compreensões poderão sempre surgir.
Patrícia C Roseiro
Psicóloga Clínica
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
OPP - 6403